quarta-feira, 1 de abril de 2009

Dedicação a uma causa

O texto a seguir, de Friedrich Engels, foi escrito em 1845 como dedicatória da obra A Situação das Classes Trabalhadoras da Grã-Bretanha. Seu título: Às Classes Trabalhadoras da Grã-Bretanha.


Trabalhadores,

É a vós que dedico uma obra onde tentei descrever aos meus compatriotas alemães um quadro fiel das vossas condições de vida, dos vossos sofrimentos, vossas lutas e esperanças. Vivi muito tempo entre vós para ficar bem informado das vossas condições de vida; consagrei a mais séria atenção a conhecer-vos bem; estudei os mais diversos documentos oficiais e não oficiais que tive a possibilidade de consultar; não foi suficiente; não era um conhecimento abstrato do meu assunto que me interessava, queria conhecer-vos nas vossas casas, observar-vos na vossa existência cotidiana, falar das vossas condições de vida e dos vossos sofrimentos, testemunhar as vossas lutas contra o poder social e político dos vossos opressores. Eis como procedi: renunciei à sociedade e aos banquetes, ao Porto e ao Champanhe da classe média, e consagrei quase exclusivamente as minhas horas vagas ao convívio com simples trabalhadores; estou ao mesmo tempo orgulhoso e feliz por ter agido deste modo. Feliz, porque assim vivi muitas horas alegres, enquanto aprendia a conhecer a vossa verdadeira existência – muitas horas que, se assim não fosse, teriam sido desperdiçadas em conversas convencionais e em cerimônias reguladas por uma aborrecida etiqueta; orgulhoso porque tive assim ocasião de fazer justiça a uma classe oprimida e caluniada à qual, apesar de todos os seus defeitos e de todas as desvantagens da sua situação, só poderia recusar estima quem tivesse alma de um comerciante inglês; orgulhoso ainda, porque estive assim em condições de poupar ao povo inglês o desprezo crescente que foi, no continente, conseqüência inelutável da política brutalmente egoísta da vossa classe média atualmente no poder e, mais simplesmente, da entrada em cena desta classe.

Graças às vastas possibilidades que tinha de observar ao mesmo tempo a classe média, vossa adversária, cheguei rapidamente à conclusão que têm razão, muita razão, em não esperar dela nenhuma ajuda. Os seus interesses e os vossos são diametralmente opostos, se bem que ela procure sem cessar afirmar o contrário e vos queira fazer crer que sente pela vossa sorte a maior simpatia. Os seus atos desmentem as suas palavras. Espero ter apresentado provas suficientes de que a classe média – apesar de tudo o que afirma – não tem, na realidade, outra finalidade que não seja enriquecer-se às custas do vosso trabalho, enquanto pode vender o produto dele, e deixar-vos morrer de fome, quando já não pode tirar lucro desse comércio indireto de carne humana. Que fizeram eles para provar que vos querem bem, como o afirmam? Alguma vez dedicaram mais que consentir nas despesas que implicam meia dúzia de comissões de inquérito cujos volumosos relatórios estão condenados a dormir eternamente sob os amontoados de dossiês esquecidos nas prateleiras do Ministério do Interior? Alguma vez chegaram a retirar dos seus Livros Azuis a matéria de pelo menos uma obra legível, que desse a cada um a possibilidade de reunir sem custo uma pequena documentação sobre as condições de vida dos “livres cidadãos britânicos”? Não, nunca o fizeram; são coisas de que não gostam de falar. Deixaram a um estrangeiro o cuidado de apresentar ao mundo civilizado um relatório sobre a desonrosa situação em que sois obrigados a viver.

Estrangeiro para eles, mas não para vós, segundo espero. Pode ser que o meu inglês não seja puro, mas apesar de tudo, espero que o achareis claro.

Nenhum operário na Inglaterra – nem na França, diga-se de passagem – me tratou como estrangeiro. Tive o maior prazer em ver-vos isentos dessa maldição que é a estreiteza e a suficiência nacionais, que não passa, no fim das contas, de um egoísmo em grande escala: observei a vossa simpatia por quem quer que dedique honestamente suas forças ao progresso humano, seja inglês ou não – a vossa admiração por tudo o que é nobre e bom, tenha ou não crescido na vossa terra natal; verifiquei que sois muito mais do que membros de uma nação isolada, que só querem ser ingleses; constatei que sois homens, membros da grande família internacional da humanidade, que reconhecestes que os vossos interesses e os de todo o gênero humano são idênticos; e é sob o título de membros da família “una e indivisível” que a humanidade constitui, a esse título de “seres humanos”, no sentido mais amplo do termo, é que eu, e muitos outros no continente vos saudamos pelos vossos progressos em todos os campos e que vos desejamos um rápido êxito. Para a frente no caminho que vos engajastes! Muitas dificuldades vos aguardam; continuai firmes, não vos deixeis desencorajar; o vosso êxito é certo e cada passo à frente, neste caminho que tendes de percorrer, servirá à nossa causa comum, a causa da humanidade.

Barmen (Prússia Renana), 15 de março de 1845

F. ENGELS

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