segunda-feira, 23 de março de 2015

O Brasil visto de fora



As impressões de um renomado consultor internacional sobre o Brasil, após alguns anos de contato íntimo com suas empresas, impõem-nos a obrigação de refletir. Na percepção desse consultor o Brasil, em primeiro lugar, não é uma nação e, em segundo, tem poucas empresas no sentido moderno da palavra. O papel desse consultor consistia em ajudar as empresas brasileiras a melhorar a sua competitividade, porém, como ajudar empresas que não existem num país que não é uma nação? Suas explicações posteriores transformaram a minha indignação inicial em esperança de ter encontrado oportunidades para mudanças positivas no País.

Em suas andanças pelo Brasil esse consultor percebeu um individualismo exagerado, e nenhuma disposição para sacrifício pelo bem comum. Seríamos, na sua visão, mais um bando primitivo onde cada um, acreditando na própria onipotência e esperteza, tenta levar vantagem em tudo, ironizando qualquer referência ao bem coletivo. Na sua opinião, os eventuais agrupamentos em torno da sobrevivência seriam, aqui, circunstanciais, com os indivíduos sempre prontos para debandar. Seu questionamento: -como pode um indivíduo exigir tudo para si, ignorando a situação geral da sociedade? Numa nação verdadeira essa atitude não seria tolerada.

O Brasil não tem, na sua opinião, muitas empresas verdadeiras. Ele ficou chocado pelo fato de ter sido solicitado a dar dicas para neutralizar a resistência dos trabalhadores, ao invés de dicas para conviver com divergências. Os temas sobre os quais estava falando, segundo ele, não seriam sequer abordados nas empresas do seu país sem acordo prévio com os trabalhadores. Ele lembrou de certo encontro em que o representante da empresa revelou-se na intimidade, dizendo que não conseguia aceitar nem mesmo as sugestões dos sindicatos com as quais concordava. O interlocutor confessou-lhe ter trauma de aceitar sugestões positivas de sindicalistas, pois acreditava que eles eram, por definição, esquerdistas burros.

O consultor ainda frisou: - em qualquer lugar do mundo os trabalhadores não estão interessados em enriquecer a família dos outros. A única forma de contar com a sua boa vontade é garantir-lhes, por atos em primeiro lugar, e palavras, em segundo, que o sucesso ou fracasso da empresa representa o seu próprio sucesso ou fracasso. Ele verificou que havia muita ligeireza em punir o fracasso e socializar as perdas, e muita lentidão em distribuir os ganhos e reconhecer o sucesso. Ele ainda questionou: - como pode ser possível gerenciar seres humanos desrespeitando a natureza humana? Como esperar que pessoas ameaçadas em sua integridade, física e psicológica, empenhem-se em ajudar aqueles que os ameaçam? Acho incompreensível, disse ele, que alguém inteligente possa acreditar ser possível criar competitividade sustentável nessas circunstâncias.

Esse consultor ainda deu o seguinte recado: - É mais fácil começar a mudar o País a partir das empresas, pois elas têm mais a ver com os interesses imediatos dos trabalhadores. A sobrevivência de suas famílias depende das empresas e as empresas, em crise, dependem dos trabalhadores. Por outro lado, a ajuda dos consultores nesse processo é muito limitada, uma vez que eles estão apenas tentando sobreviver.

Foi triste ouvi-lo, porém, muito educativo. Lembrei-me de muitas circunstâncias na literatura e na história, além de alguns exemplos do dia-a-dia, em que o individualismo falou mais alto. Indivíduos supostamente inteligentes, ameaçados em sua sobrevivência, foram manipulados e induzidos a lutarem entre si, enquanto os manipuladores se deliciavam. Os próprios manipuladores, por fim, se desentendiam e se prejudicavam, esquecendo-se de que, acima deles, outros inimigos os espreitavam. 


Vem-me à mente um pensamento digno de constar do livro A Arte da Guerra: os tolos lutam entre si, os inteligentes lutam contra os inimigos e os sábios fortalecem-se para tornar a luta desnecessária. Pensando bem, quem sabe poderíamos, em respeito à nossa inteligência, começar a construir uma Nação de verdade, com organizações humanas de verdade?