quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A tarefa mais urgente

A tarefa mais urgente é aquela que está ao alcance de cada um: fazer, agora, aquilo que deve e pode ser feito, mas tendo sempre em vista o futuro.

Vejo o futuro como sendo de riqueza bem distribuída. As pessoas são bem formadas. Agem por iniciativa própria a partir do domínio do método científico adaptado às suas possibilidades de compreendê-lo. O cenário desse futuro combina beleza, verdade, justiça, fraternidade e liberdade.

As pessoas que vejo no futuro aprendem por toda a vida. Elas aprenderam a aprender, com alegria e entusiasmo. São as mesmas pessoas que posso ver no presente, exceto por terem sido direcionadas, desde o ventre, para a construção da sociedade sadia. Por isso, desde já, é preciso criar o ambiente para que atualizem os seus potenciais de transformação concreta da realidade a partir das condições existentes.

Só há um momento para corrigir o passado e construir o futuro: o tempo presente. Mas a tarefa só pode ser cumprida se houver o compartilhamento de uma missão de vida comum a todos os agentes sociais, com visão de futuro e valores compartilhados. Isso implica um ecumenismo social, mais que do que um ecumenismo religioso.

Quanto ao primeiro passo a ser dado, pode-se começar varrendo.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Amor Pacífico e Fecundo (poesia de Tagore)

Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.

Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
Tradução de Manuel Simões

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Último Negócio (poesia de Tagore)

Certa manhã
ia eu pelo caminho pedregoso,
quando, de espada desembainhada,
chegou o Rei no seu carro.
Gritei:
— Vendo-me!
O Rei tomou-me pela mão e disse:
— Sou poderoso, posso comprar-te.
Mas de nada lhe serviu o seu poder
e voltou sem mim no seu carro.

As casas estavam fechadas
ao sol do meio dia,
e eu vagueava pelo beco tortuoso
quando um velho
com um saco de oiro às costas
me saiu ao encontro.
Hesitou um momento, e disse:
— Posso comprar-te.
Uma a uma contou as suas moedas.
Mas eu voltei-lhe as costas
e fui-me embora.

Anoitecia e a sebe do jardim
estava toda florida.
Uma gentil rapariga
apareceu diante de mim, e disse:
— Compro-te com o meu sorriso.
Mas o sorriso empalideceu
e apagou-se nas suas lágrimas.
E regressou outra vez à sombra,
sozinha.

O sol faiscava na areia
e as ondas do mar
quebravam-se caprichosamente.
Um menino estava sentado na praia
brincando com as conchas.
Levantou a cabeça
e, como se me conhecesse, disse:
— Posso comprar-te com nada.
Desde que fiz este negócio a brincar,
sou livre.

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
Tradução de Manuel Simões

sábado, 24 de outubro de 2009

Embora a simples citação da palavra fé remeta-nos quase imediatamene à sua conotação religiosa, mesmo a sua definição a partir da Bíblia reporta-a ao seu aspecto universal, como se vê em Hebreus 11:1: "Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem".

Einstein (veja-se o livro A Imaginação Científica, de Gerald Holton), ressaltou que a mais avançada ciência só é possível pela fé dos cientistas na existência daquilo que não veem, mas que, estando intensamente envolvidos na sua busca, lhes aparece como axioma cujas consequencias lógicas podem ser previstas e testadas por experimentos.

Os ateus, especialmente aqueles que são ativos contra a ideia de Deus (veja-se o livro Deus, um delírio, de Richard Dawkins), são também homens de fé: acreditam que não há Deus. Dawkins mostra-se realmente possuidor de um espírito científico nesse assunto, pois aceita o Deus de Einstein e, além disso, coloca-se no nível 6, numa escala de 1 a 7 de ateísmo.

No dia-a-dia, todo movimento dos seres vivos é alimentado por uma fé natural, inerente ao organismo. Só o homem pode ter uma fé sobrenatural, porém passível de comprovação pelas práticas decorrentes dessa fé. Quando sua fé não é referendada por sua prática, presume-se que ela seja apenas nominal, o que o torna um ateu prático ou um religioso teórico.

Sob uma perspectiva laica, a fé pode ser substituída por palavras que gerem menos efeitos emocionais, como confiança e autoconfiança, por exemplo. Nesse campo, mais uma vez, prevalece a semântica como facilitadora ou dificultadora da comunicação humana.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Teoria versus prática

A teoria e a prática são como irmãs siamesas. Sem teoria a prática torna-se uma ação caótica. Sem prática, a teoria de nada vale. A prática pressupõe uma teoria, mas a teoria, embora possa ter origem na intuição, só está ao alcance de quem reflete sobre, ou está em contato direto com a prática. Assim como o ovo e a galinha, não dá para dizer quem vem em primeiro lugar.

As boas teorias, referendadas pelas boas práticas, ao serem registradas, representam o conhecimento morto a alimentar o processo do conhecimento vivo. Em alguns casos esses registros ou são confusos ou foram feitos antes da consolidação da teoria e da prática. Se levados em consideração sem visão crítica, a informação falsa pode impedir o conhecimento produtivo do tema.

Ao perceber essa possibilidade, Galielu Galileu apontou o telescópio para a lua ignorando os conceitos prévios de que lá existiam dragões. Com isso ficou livre de fixar o erro decorrente de uma teoria que não havia passado pelo crivo da razão crítico-prática. Esse mesmo procedimento foi adotado por Newton e Einstein, com os respectivos resultados que conhecemos.

Quando se integram teoria e prática, pode-se dizer, com conviccão, que "não existe nada mais prático do que uma boa teoria". Por outro lado, ao resolver um problema, devem-se buscar as informações no local e tratá-las como se não houvesse nenhuma teoria para explicar a situação.

O conhecimento, sob a perspectiva acima, deve ser contruído e reconstruído o tempo todo, num processo dinâmico.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Vantagens e desvantagens da sistematização

Uma vida não sistematizada pode ser interessante. É assim que as crianças gostariam de viver, e tentam viver. Por outro lado, se a aprendizagem não for transmitida pela cultura, e cada ato ignorar o passado, o esforço pode ser muito grande e destrutivo das condiões da saúde física e mental.

Uma vida sistematizada a partir de um racionalismo crítico-prático, numa sociedade aberta, pode ser ainda melhor do que a vida não sistematizada, ou dogmaticamente sistematizada. Neste caso deve-se partir de um conceito mais geral, capaz de diagnosticar uma oportunidade e realizá-la, transformando-a num sistema pronto para a ação, sempre que a mesma situação se repetir.

A sistematização, em nível de país, deve visar a estabelecer as estruturas da criação e distribuição de riquezas automaticamente, sem que isso dependa da vontade mutante de cada geração, ou de líderes autocentrados. Porém, deve-se lembrar que a sistematização mal feita, por incompetência ou má fé, perpetua o erro.

Portanto, é preciso combinar liberdade com a disciplina da sistematização sob uma perspectiva científica. A sistematização deve ser fruto da ação racional, sempre que possível. A superação da sistematização estabelecida deve, idealmente, sujeitar-se a uma decisão advinda de um diagnóstico, o que leva à necessidade de dominar um metamodelo de criação de conhecimento.

Assim, a sistemação pode e deve estar sob o crivo de um racionalismo crítico-prático, numa combinação dinâmica entre teoria e prática. Entretanto, cada avanço em relação ao desconhecido é um ato de fé.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Fé e razão

A fé e a razão são como irmãs siamesas. Pela fé acredita-se naquilo que não se vê e, pela razão, caminha-se de forma crítica para se atingir um objetivo estabelecido.

A determinação do objetivo, por sua vez, é um ato de fé, cuja razoabilidade depende da experiência e da intuição.

A fé, quando se torna religião, pode perder a razão; porém, usando a razão, percebe-se que até mesmo a religião imperfeita pode ser compreendida como uma etapa importante no crescimento humano.

Se a fé gera a subserviência, a razão produz a rebelião necessária para evitar que a fé se torne estática e alinhada com a mentira.

A fé e a razão, portanto, são vitais ao crescimento humano, mas só a capacidade de amar pode consolidar esse crescimento.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mãos à obra!

Refletir só não basta. É preciso entrar em ação. Limpar o que está sujo. Ouvir o outro sem julgamento de qualquer natureza. Ajudar quem está precisando de ajuda. Enfim, é preciso integrar o pensamento, o sentimento e a ação, de forma coletiva.

Quem estiver vivo que dê o primeiro passso!

domingo, 4 de outubro de 2009

O texto precisa ser interpretado?

Ontem tive acesso ao manual de um aparelho de som sofisticado. Não entendi nada, nem quis investir tempo para entender. Trata-se de algo absurdo, pois não facilita o uso do aparelho. A tentativa e erro funcionou melhor do que a leitura do manual.

Em seguida, por coincidência, li um livro sobre interpretação da Bíblia. O autor foi logo enumerando as muitas barreiras à interpretação correta. Ele assumiu, contudo, que é possível interpretar, desde que se tenha um doutorado em teologia exegética. Por outro lado, um amigo lembrou-me que, naquilo que é essencial, a Bíblia é completamente acessível às pessoas comuns, sem a necessidade de interpretação.

No caso do manual, há um índice de controle automático: se a interpretação não for correta o aparelho não funciona. No caso da Bíblia é muito mais complicado, pois o intérprete se exime de usar o critério da prática para testar o acerto de sua interpretação. Contudo, sua mensagem central está bem delineada no Novo Testamento: trata-se de se colocar o amor em prática e, quanto a isso, nenhuma interpretação adicional faz diferença.

Conclui que os textos que são escritos para serem interpretados precisam de uma introdução, ou de uma ordenação que, automaticamente, remeta o leitor aos pontos-chave. O critério para se julgar a efetividade do texto é a possibilidade de que alguém que saiba ler razoavelmente bem possa praticar e obter os resultados nele previstos. Aliás, é bom lembrar que uma imagem vale mais do que mil palavras, e que os textos podem trazer dificuldades insuperáveis se não levar isso em conta.

Os textos que exigem grande esforço de interpretação não são bons como materiais didáticos, a não ser que tenham sido programados para exercitar a mente. No que se refere à mensagem básica, não se pode criar dependência da leitura de manuais e de intérpretes especializados, ainda que os intérpretes e os manuais estejam à disposição.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Ser e parecer

"Não basta que a mulher de César seja honesta. É preciso que ela pareça honesta", disse algum filósofo publicitário. "O Príncipe precisa parecer religioso para adquirir a confiança do povo, mas não deve sê-lo realmente", disse Maquiavel.

Algumas pessoas se preocupam mais com a imagem do que com a realidade. 'Status' é sua tara. Estudar na melhor universidade ou ter ligações com pessoas importantes é tido por mais valioso do que ser honesto.

No mercado, as empresas descobriram que um produto não precisa ser apenas bom. Precisa parecer bom. Mas, em algumas situações, gasta-se muito tempo para se criar uma imagem positiva sem a devida correspondência com a realidade.

Tentar parecer o que não se é, assim como crer numa coisa e praticar outra, gera tensões psíquicas chamadas genericamente de dissonância cognitiva. O mais sensato é alinhar o ser e o parecer tendo em vista uma vida saudável nos planos físico, intelectual e ético.