segunda-feira, 23 de março de 2015

O Brasil visto de fora



As impressões de um renomado consultor internacional sobre o Brasil, após alguns anos de contato íntimo com suas empresas, impõem-nos a obrigação de refletir. Na percepção desse consultor o Brasil, em primeiro lugar, não é uma nação e, em segundo, tem poucas empresas no sentido moderno da palavra. O papel desse consultor consistia em ajudar as empresas brasileiras a melhorar a sua competitividade, porém, como ajudar empresas que não existem num país que não é uma nação? Suas explicações posteriores transformaram a minha indignação inicial em esperança de ter encontrado oportunidades para mudanças positivas no País.

Em suas andanças pelo Brasil esse consultor percebeu um individualismo exagerado, e nenhuma disposição para sacrifício pelo bem comum. Seríamos, na sua visão, mais um bando primitivo onde cada um, acreditando na própria onipotência e esperteza, tenta levar vantagem em tudo, ironizando qualquer referência ao bem coletivo. Na sua opinião, os eventuais agrupamentos em torno da sobrevivência seriam, aqui, circunstanciais, com os indivíduos sempre prontos para debandar. Seu questionamento: -como pode um indivíduo exigir tudo para si, ignorando a situação geral da sociedade? Numa nação verdadeira essa atitude não seria tolerada.

O Brasil não tem, na sua opinião, muitas empresas verdadeiras. Ele ficou chocado pelo fato de ter sido solicitado a dar dicas para neutralizar a resistência dos trabalhadores, ao invés de dicas para conviver com divergências. Os temas sobre os quais estava falando, segundo ele, não seriam sequer abordados nas empresas do seu país sem acordo prévio com os trabalhadores. Ele lembrou de certo encontro em que o representante da empresa revelou-se na intimidade, dizendo que não conseguia aceitar nem mesmo as sugestões dos sindicatos com as quais concordava. O interlocutor confessou-lhe ter trauma de aceitar sugestões positivas de sindicalistas, pois acreditava que eles eram, por definição, esquerdistas burros.

O consultor ainda frisou: - em qualquer lugar do mundo os trabalhadores não estão interessados em enriquecer a família dos outros. A única forma de contar com a sua boa vontade é garantir-lhes, por atos em primeiro lugar, e palavras, em segundo, que o sucesso ou fracasso da empresa representa o seu próprio sucesso ou fracasso. Ele verificou que havia muita ligeireza em punir o fracasso e socializar as perdas, e muita lentidão em distribuir os ganhos e reconhecer o sucesso. Ele ainda questionou: - como pode ser possível gerenciar seres humanos desrespeitando a natureza humana? Como esperar que pessoas ameaçadas em sua integridade, física e psicológica, empenhem-se em ajudar aqueles que os ameaçam? Acho incompreensível, disse ele, que alguém inteligente possa acreditar ser possível criar competitividade sustentável nessas circunstâncias.

Esse consultor ainda deu o seguinte recado: - É mais fácil começar a mudar o País a partir das empresas, pois elas têm mais a ver com os interesses imediatos dos trabalhadores. A sobrevivência de suas famílias depende das empresas e as empresas, em crise, dependem dos trabalhadores. Por outro lado, a ajuda dos consultores nesse processo é muito limitada, uma vez que eles estão apenas tentando sobreviver.

Foi triste ouvi-lo, porém, muito educativo. Lembrei-me de muitas circunstâncias na literatura e na história, além de alguns exemplos do dia-a-dia, em que o individualismo falou mais alto. Indivíduos supostamente inteligentes, ameaçados em sua sobrevivência, foram manipulados e induzidos a lutarem entre si, enquanto os manipuladores se deliciavam. Os próprios manipuladores, por fim, se desentendiam e se prejudicavam, esquecendo-se de que, acima deles, outros inimigos os espreitavam. 


Vem-me à mente um pensamento digno de constar do livro A Arte da Guerra: os tolos lutam entre si, os inteligentes lutam contra os inimigos e os sábios fortalecem-se para tornar a luta desnecessária. Pensando bem, quem sabe poderíamos, em respeito à nossa inteligência, começar a construir uma Nação de verdade, com organizações humanas de verdade?

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O Brasil tem jeito?


No dia 13 de maio de 2001 o NTQI/UFMG - Núcleo de Tecnologia da Qualidade e da Inovação, promoveu o workshop "O Ambiente da Qualidade na Prática" visando a compartilhar experiências sobre o desenvolvimento de ambientes de trabalho sadios e estimulantes à mobilização da inteligência. Quatro palestras criaram o pano de fundo para uma posterior discussão do tema tendo em vista a realidade dos participantes: A Chocante Realidade, por Osmir Venuto da Silva, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção de BH; Construindo o Novo Ambiente, por Érico da Gama Torres, Diretor da Coordenação de Suporte e Coordenador de GQT da Construtora Andrade Gutierrez; A Casa da Qualidade Visando à Competitividade; por Francisco Antônio Dutra, Coordenador Corporativo de Sistemas Gerenciais da Samarco Mineração S.A e A Construção do Ambiente da Qualidade na Escola, por Rosane Marques Crespo Costa, Coordenadora do Projeto GQT na Educação da Fundação Christiano Ottoni.

O senhor Osmir Venuto, geralmente tido por radical, provou que a mente alerta e o coração humilde podem aproveitar várias de suas sugestões para melhorar o relacionamento capital/trabalho. Ele, apesar de ter sido ríspido e destacado a desumanidade de algumas situações vividas pelo trabalhador da construção civil, apontou empresas-modelo no setor, e deu sugestões concretas, simples e viáveis para que as empresas utilizem a inteligência dos seus operários. Destacou que eles são carentes, material e emocionalmente, estando pré-dispostos a cooperar sempre que suas carências forem sanadas. Sua mensagem central implícita foi "a fome e o desrespeito, além serem incompatíveis com a obtenção de qualidade e produtividade, impelem à violência". Em que pese uma eventual postura político-ideológica que algumas pessoas enxergam nas suas convicções básicas, o sindicalista destacou que parte das dificuldades observadas no relacionamento com os trabalhadores são devidas a uma total inabilidade nas relações humanas. Segundo ele, um simples cumprimento, aperto de mão e citação do nome do trabalhador poderiam melhorar em muito o seu moral.

A apresentação da Andrade Gutierrez deu prova cabal de que uma liderança inteligente consegue enxergar oportunidades onde parece haver somente problemas. A melhoria do ambiente de trabalho, o treinamento constante e o respeito para com os seus colaboradores permitiu à empresa resistir às condições adversas do mercado. Os resultados mensuráveis e não mensuráveis foram sendo obtidos de forma progressiva e consistente, principalmente a partir da mobilização em massa ocorrida na empresa em nome do 5S, os sensos de: utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. Seus trabalhadores responderam com criatividade e entusiasmo aos desafios lançados, gerando os seguintes resultados: redução global de custos de cerca de 50%, a partir de 1993; melhoria da qualidade e reduções nos prazos de entrega das obras; drástica diminuição do índice de acidentes e redução das faltas ao trabalho. Esse exemplo contrapôs-se à irracionalidade descrita pelo sindicalista Osmir.

A Samarco apresentou a sua Casa da Qualidade Visando à Competitividade, construída pela análise exaustiva das melhores práticas mundiais de gestão. De acordo com o palestrante, engenheiro Francisco Dutra, a pesquisa que levou a Samarco a desenvolver o seu modelo de gestão incluiu a análise das 250 melhores empresas do mundo, tendo se fixado na identificação dos fatores de sucesso das 25 melhores. Essa empresa passou a ser referência mundial em vários aspectos-chave para a competitividade sustentável, com destaque para a postura íntegra frente ao meio ambiente, trabalhadores, acionistas e sociedade. Sua postura básica é a de nivelar-se pelas melhores práticas internacionais, submetendo-se a critérios externos de validação, tais como: ISO 9002, IS0 14000 e BS 8800. Conceitos como os de 5S, gerenciamento da rotina do dia-a-dia, gerenciamento multifuncional e pelas diretrizes, além de sistemas para a obtenção de sugestões dos seus empregaos fazem parte da cultura da qualidade da empresa, sendo praticados de maneira natural e sem dogmatismo.

O depoimento da representante da FCO fechou o conjunto de palestras com chave de ouro. Ela mostrou os fantásticos resultados já obtidos com a gestão participativa de algumas escolas de ensino fundamental. Ficou claro que a base permanente da conquista de uma melhor qualidade de vida no Brasil depende de se dar prioridade absoluta à educação integral dos brasileiros, com uma gestão que envolva todas as pessoas interessadas: pais, professores e alunos, numa grande mobilização nacional. A palestrante provou que os melhores modelos de gestão, como aqueles apresentados pela Andrade Gutierrez e Samarco, possuem elementos universais prontamente adaptáveis ao ambiente da escola.

Após essas três brilhantes apresentações, o sindicalista pronunciou-se novamente, reposicionando-se e entrando em sintonia com o espírito construtivo presente. Ele enxergou nos exemplos apresentados total correção e alinhamento com as necessidades permanentes dos trabalhadores e do País. Sua manifestação, inclusive dando sugestões concretas às empresas, sinalizou que é perfeitamente possível encontrar uma visão de futuro comum entre capital e trabalho, desde que se parta de uma base mínima de respeito mútuo. A partir de sua fala, agora convergente com a visão comum de todos os presentes, percebi que é necessário ouvir, sem prévio julgamento, mesmo as posições mais radicais. Ouvindo, compreendendo e identificando os pontos de convergência, pode-se, finalmente, identificar as divergências irreconciliáveis, posicionando-se com firmeza e bom senso, sem irracionalismos.

Ao final do dia, após uma produtiva troca de experiências e sugestões concretas para se criar um bom ambiente da qualidade, na prática, houve um consenso profundamente compartilhado, sintetizado na conclusão final de um dos participantes: "O Brasil tem jeito!".

sábado, 22 de março de 2014

O problema da verdade e a solução de problemas


INTRODUÇÃO
Todo ser humano, para o bem ou para o mal, poderia tomar decisões com maior probabilidade de êxito caso conhecesse a  verdade antes de agir.  Um ser humano saudável usaria esse conhecimento para alcançar o maior bem, para si e para os seus semelhantes. Entretanto, a menos que a verdade - ou algum dogma, hábito, paradigma, ou  mero padrão operacional - já tenha sido previamente estabelecida, toda ação em primeira mão é um experimento, planejado ou não, para se chegar a ela.

Mas, o que é a verdade? Qual o método para descobri-la? Quais os critérios para saber se ela foi encontrada?

Esta reflexão começa a responder o que é a verdade a partir de um dicionário comum. Avança pela apresentação sumária de três posicionamentos respeitáveis sobre o tema. Em seguida caminha para encontrar um conceito neutro universal adaptável a situações particulares. Após ilustrar o conceito de verdade em vários campos da atividade humana, consolida comentários finais em busca de uma conclusão, mas sempre tendo em vista a solução dos problemas concretos humanos.

O SIGNIFICADO DO VOCÁBULO VERDADE SEGUNDO UM DICIONÁRIO COMUM
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa o vocábulo verdade é  um substantivo feminino com cinco acepções: “1 propriedade de estar conforme com os fatos ou a realidade (a v. de uma afirmação) (v. histórica) 1.1 a fidelidade de uma representação em relação ao modelo ou original (a v. de um quadro) 2 p. ext. coisa, fato ou evento real 3 p. ext. qualquer ideia, princípio ou julgamento aceito como autêntico; axioma (as v. de uma religião, de uma filosofia) 4 p. ext. procedimento sincero, pureza de intenções (agir com v.) 5 FIL correspondência, adequação ou harmonia passível de ser estabelecida, por meio de um discurso ou pensamento, entre a subjetividade cognitiva do  intelecto humano e os fatos, eventos e seres da realidade objetiva (...)”

O texto acima é autoexplicativo, ou deveria ser. Não farei comentários sobre ele. Que o  leitor reflita a respeito tendo em vista a própria experiência de vida. Que consulte outros dicionários e, se puder, algum dicionário de filosofia como, por exemplo, o Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, de André Lalande, ou o Dicionário de Filosofia de Abbagnano. Esse tipo de leitura exige muita paciência e tempo, por isso não é uma condição para acompanhar esta reflexão.

A seguir serão apresentados, sumariamente, três influentes pontos de vista a respeito:   1. A abordagem cristã, segundo Tomás de Aquino, consolidada na  Suma Teológica; 2. A abordagem marxista, segundo  Jacob Bazarian, consolidada no livro O Problema da Verdade; 3. A abordagem do melhorismo contínuo, de Karl R. Popper apresentada, entre outros, no livro Por Um Mundo Melhor. Cada uma dessas abordagens será apresentada sumariamente nos três parágrafos seguintes para, em seguida, tentar-se encontrar um conceito de verdade unificado, adaptável a situações particulares.  

TRÊS ABORDAGENS REPRESENTATIVAS DO PROBLEMA DA VERDADDE
Tomás de Aquino (1225 — 1274) foi um padre dominicano, filósofo e  teólogo,  proclamado santo e Doutor da Igreja Católica Apostólica Romana. Sua abordagem mais direta do tema está desenvolvida na Suma Teológica, Volume I, Edições Loyola, Questões 16 e 17.  Após analisar os autores relevantes que, até então, definiram a verdade, incluindo Platão, Aristóteles e Agostinho, ele adotou que “A verdade é a adequação da coisa e do intelecto”.  Isso quer dizer que a verdade está na coisa e que, depois de pesquisada, é representada no intelecto, com maior ou menor fidelidade, além de ser comunicada e entendida com maior ou menor fidelidade, podendo gerar uma cadeia de mal entendidos, mesmo quando a intenção é boa.  O interesse de Aquino estava na determinação da verdade sob a perspectiva moral e ética, aceitando sem questionamento as verdades fundamentais ensinadas pelo Magistério da Igreja, cuja origem primária ele considerava ser a revelação divina registrada na Bíblia. Em Aquino, o método é a lógica formal aristotélica, e o critério para definir a verdade é o peso da autoridade, resguardada a autoridade maior de Deus, da Bíblia e da tradição, segundo a interpretação do Magistério da Igreja sobre temas de fé e moral.  

Jacob Bazarian (1919 - 2003) foi um filósofo brasileiro de origem armênia que acreditava que a filosofia encontrou a sua representação mais avançada no marxismo. De acordo com sua opinião, expressa no livro O Problema da Verdade, a concepção marxista é compatível com a concepção de Tomás de Aquino, exceto quanto aos pressupostos religiosos e suas consequências.  Ele defendeu, quanto à verdade,  um absolutismo relativista em oposição ao absolutismo e ao relativismo. Em sua opinião, cada situação concreta tem a sua verdade. O método marxista de busca da verdade, também chamado de dialética materialista, teria sido explicado de forma clara, segundo Bazarian, no  texto de Mao Ze Dong, Sobre a Prática (Veja-se o texto em: http://www.marxists.org/portugues/mao/1937/07/pratica-ga.htm.), como uma descrição fiel da mesma. Quanto ao critério supremo da verdade, somente a prática poderia ser tomada como tal, independente de quaisquer outros. Como sabemos, embora Bazarian não o ressalte, a verdade na política, de acordo com Karl Marx, está sempre a serviço da classe dominante, no caso, o proletariado representado pelo partido dos trabalhadores, ou equivalente.

Karl Raimund Popper (1902 — 1994) foi um filósofo da ciência austríaco naturalizado britânico que assumiu Einstein como o modelo mais avançado de cientista. Para ele, a verdade é uma meta nunca atingida, porém sempre buscada. O método para se chegar a ela, na sua visão, consiste em  aprender com erros e acertos, em ambiente de liberdade responsável. Em sua opinião não existem critérios verdadeiros sobre a  verdade. O máximo que se pode fazer seria submeter as teorias e hipóteses a testes cruciais que poderiam derrubar ou mantê-las de pé, usando critérios proveniente do consenso entre a comunidade da verdade, no caso a comunidade científica. Mesmo que passem num teste, hipóteses, teorias e leis  poderiam ser derrubadas em novos e mais rigorosos testes futuros. Ele combateu o marxismo, especialmente quanto à pretensão de ter encontrado uma verdade definitiva da História, centrada na luta de classes e na superação dessa luta pela adoção do socialismo como ante-sala do comunismo, este representando um espécie de paraíso na Terra em substituição ao paraíso no Céu.   

EM BUSCA DE UM CONCEITO NUCLEAR UNIFICADO
Após a  leitura comparativa das proposições/interpretações de  Aquino,  Bazarian, e  Popper, entre outras fontes,  evidenciou-se, para mim, uma definição nuclear de verdade com um nítido apelo universal: a verdade “é o que é”.  Só existe a verdade sobre algo, e não uma coisa chamada verdade, a não ser que se aceite, sem questionar, que ela seja uma relação entre o objeto e o pensamento. Ela deve ser pesquisada usando os meios acessíveis e pertinentes, sendo os resultados dessa pesquisa apreendidos pelo intelecto e representados por uma combinação de  palavras, diagramas, modelos mentais, modelos matemáticos e  físicos.

Sob essa perspectiva, existem dois grandes tipos de verdade: aquela que independe da vontade humana, e que está contida nas coisas naturais;  e aquela que depende da vontade humana, e está contida nas coisas construídas, incluindo nelas as regras de conduta, tácitas ou explícitas. O método, sob essa perspectiva, poderia ser qualquer, desde que conducente a resultados práticos. Os critérios devem ser definidos pela comunidade da verdade.

Uma vez descoberta, ou construída,  a verdade precisa ser  comunicada. Contudo, além de ela raramente ser conhecida de forma completa e definitiva, sua comunicação pode gerar uma cadeia de mal entendidos, ainda que haja boa intenção entre as partes.  Essa representação pode estar, em diferentes graus, em harmonia ou desarmonia  com a coisa representada, dependendo do critério de aferição utilizado.  

Nos termos desta reflexão, a verdade, sendo “o que  é”, é absoluta, por definição,  porém nem sempre acessível em sentido absoluto pela  condição humana finita e falível.  A solução é buscar, não a verdade absoluta, mas uma versão da verdade satisfatória para a natureza do problema em foco.  Ao trabalhar com percepções da verdade, isso não quer dizer que ela seja relativa, mas apenas desconhecida em sua plenitude. Essas percepções podem ser refinadas  por aprofundamento da investigação do objeto do conhecimento e pelo diálogo entre os pesquisadores, caso não se comportem como inimigos que queiram impor o seu ponto de vista.  

A seguir serão apresentados alguns exemplos ilustrativos do que ocorre em algumas áreas do conhecimento quanto à verdade.   

ALGUNS EXEMPLOS  ILUSTRATIVOS
A filosofia debate-se por séculos ou milênios discutindo temas não passíveis de experimentação, inclusive a própria definição de verdade. A longo prazo ela deu respostas inteligentes a algumas perguntas, mas não se pode dizer que tenha encontrado verdades absolutas que possam ser colocadas em prática, a não ser mediante ajustes para efeitos operacionais. Esse é o caso, por exemplo, do problema da justiça humana.

Platão, por meio do personagem Sócrates, deu uma solução teórica brilhante ao problema da definição de justiça – Justiça é cada um ter e fazer o que lhe compete -; porém, nunca se chegou a um acordo universal sobre  a quem compete dizer o que cada um deve ter e fazer, decisão relegada ao contexto político-ideológico.  A esse respeito leia-se, por exemplo, o livro A Ilusão da Justiça, de  Hans Kelsen.  A impossibilidade da aplicação da justiça em termos rigorosos foi ilustrada no filme O Mercador de Veneza, quando ficou evidente que ela precisa ser humanizada pela misericórdia, no caso, segundo o padrão anunciado por Jesus Cristo.  

A teologia, alimentada pela filosofia, optou pelos dogmas como solução para evitar discussões intermináveis sobre determinados assuntos. Ela pressupõe que a verdade pode ser perscrutada pela razão, mas que, quanto a princípios fundamentais, ela não poderia ter sido descoberta pelo homem, mas revelada por Deus. Tomás de Aquino foi um digno representante da Igreja Católica quanto a combinar fé e razão na busca da verdade pelo pensamento racional, partindo da aceitação de algumas verdades reveladas por Deus e interpretadas pelo Magistério da Igreja. Porém, salvo melhor juízo, Aquino só tratou de encontrar opiniões fundamentadas por argumentos racionais, e não verdades verificáveis por meio de experimentos.  

Na política, esgotados os recursos do diálogo que se pressuponha racional, via  persuasão verbal, busca-se a persuasão pela força. Em última instância, o vencido é obrigado a aceitar as reivindicações de verdade do vencedor, pelo menos provisoriamente, até que se reestruture e reverta a situação, inclusive com estratégias de influência cultural. Coube a Maquiavel explicitar que, na política, o governante busca geralmente o  poder, e não a verdade,  o que poderia reforçar o ponto de vista daqueles que defendem que a verdade é relativa.

No mercado, o consumidor geralmente é conquistado pela satisfação dos seus desejos, manifestos ou latentes,  mais do que pela satisfação de suas reais necessidades. Ele pode viver de ilusões por bons períodos de tempo, até que se evidenciem os erros cometidos durante a satisfação de seus apetites doentios de consumo. No mercado prevalece o relativismo de ambos os lados – consumidor e fornecedor  -, até que a verdade se manifeste e desmascare as ilusões de ambos.  

No direito, a busca da verdade tem se mostrado um problema social de alta relevância. A investigação da verdade, neste caso,  pode ser mascarada pela subjetividade. Os fracos podem  ser punidos imediatamente, enquanto os poderosos podem ficar  impunes por anos. Isso, entre outros motivos,  em função do envolvimento de especialistas em criar imagens da verdade, mediante pagamento,  persuadindo o corpo de jurados e postergando soluções. A “verdade”, neste caso, referenda as observações de Maquiavel: o poder a determina. O poder da persuasão manipuladora comprada  a preço de mercado.

Na medicina e na engenharia a pretensão de trabalhar com a  verdade absoluta é claramente substituída por conceitos operacionais, sempre passíveis de melhoria com o tempo e com a aprendizagem com erros e acertos. No caso da medicina, por exemplo, sua evolução pode ser conhecida, em parte,  pela leitura do  livro com o sugestivo título A Assustadora História da Medicina, de Richard Gordon.

No caso específico da  engenharia de minas evidencia-se que a verdade, incialmente buscada de forma genérica na física e na química, na mineralogia e na geologia, desce ao nível mais concreto na pesquisa mineral, na lavra e no beneficiamento. Podem-se fazer estimativas a respeito da ocorrência de  determinado bem mineral, investigando o todo e consolidando tais investigações por meio de amostras mais ou menos representativas. Em última análise, a realidade sobre o bem mineral,  e assim mesmo em parte, só será  conhecida durante e ao final de sua completa extração.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A verdade “é o que é”. Ela pode, eventualmente, ser descoberta por acaso, mas sua busca sistemática exige investigação racional e experimental, com abertura para aceitar a intuição. Ela pode ser construída pela vontade humana, e representada por produtos e regras de conduta, tácitas ou explícitas, caso em que, para evitar confusão o termo verdade deveria ser substituído por algum outro, talvez: hábitos, normas, acordos, etc..  

 “O  problema central da verdade consiste em  encontrar um critério de verdade que seja verdadeiro.”  Isso implica que cada decisão, em qualquer área da vida, mesmo quando se combinam análise e síntese, é tomada por fé, devendo ser confrontada com experimentos, planejados ou  não, e sempre reconfirmada pela prática.

Impõe-se, antes de qualquer discussão, viver. E os problemas da vida exigem soluções satisfatórias e não, necessariamente, verdadeiras em sentido absoluto do termo. Contudo, isso não quer dizer que a verdade seja relativa, no sentido de que cada pode ter a sua,  mas que o acesso a ela é difícil e depende das condições inerentes à natureza do problema e dos meios disponíveis à sua investigação.  O que cada um pode ter livremente são percepções, opiniões e crenças.

Contudo, no que se refere ao conhecimento produtivo, o método da engenharia é bastante apropriado: buscar a verdade de forma progressiva, num processo de melhoria contínua. Isso implica dominar a dinâmica do conhecimento, seja imitando, aperfeiçoando ou fazendo inovações de ruptura. Para a mensuração dos resultados finais, deve-se lançar mão do pensamento estatístico, e não apenas de palavras.

Entretanto, no limite, e já que a verdade é sempre uma verdade sobre alguma coisa, é interessante levar em consideração a afirmação de que  “O verdadeiro conhecimento só ocorre quando o conhecedor torna-se um com aquilo que é”,  conforme defenderam alguns místicos lógicos, entre eles o  santo hindu Paramahansa Yogananda no seu livro Autobiografia de um Yogue, em consonância com o que é afirmado no Bhagavad Gita.  Uma análise racional sobre o tema pode ser encontrada no livro Misticismo e Lógica, de Bertrand Russel, um ateu de alta credibilidade intelectual.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Alguns referenciais para a formação do cidadão produtivo brasileiro

Fernando César Franco (fernandocf@uit.br)
João Martins da Silva (joaotqm@gmail.com)

Resumo
Este artigo analisa os seguintes referenciais como fonte de inspiração para a formação do cidadão produtivo brasileiro: o conceito de paideia, proveniente da Grécia Antiga; os conceitos de temperamento e caráter, na sua visão clássica; o cristianismo, como principal fonte de inspiração ética para os brasileiros, considerado quanto aos seus aspectos universais; além do próprio conceito de cidadão produtivo. Assume-se que esse tipo de reflexão torna-se urgente tendo em vista o quadro de degeneração ética vigente no Brasil. Espera-se, assim, contribuir para a própria formação do engenheiro de produção como líder da construção de sistemas produtivos que estejam de acordo com a natureza humana sadia, respeitando-se as peculiaridades culturais positivas brasileiras.
Palavras-chave: caráter, educação, produtividade, temperamento

1. Introdução
A história da humanidade é, sob vários aspectos, a história da evolução cultural do homem. Francis Bacon opinou que, até o seu tempo, os homens tinham usado de maneira pouco sistemática a inteligência para criar suas condições de existência. Ele propôs o empreendimento científico sistemático como forma de se descobrirem as leis da natureza e usá-las em benefício do ser humano. Suas idéias giraram em torno da revolução científica a partir do método, tendo sido consolidadas de forma independente por Descartes, Galileu Galilei e Newton, cabendo ao engenheiro Frederick Taylor propor e aplicar tais idéias na produção, em paralelo e em cooperação com Henry Ford, entre outros grandes homens de visão.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, esse modelo foi consolidado pelo Sistema Toyota de Produção, de forma simultânea e em parceria com a JUSE – Associação dos Cientistas e Engenheiros Japoneses que, em conjunto, consolidaram a idéia da Qualidade Total como princípio orientador de sistemas de produção holísticos, promovendo-se a interpenetração entre valores humanistas e o método científico. Essa constatação remonta-nos a alguns momentos da história em que, embora o método não tivesse sido destacado, ele era praticado tacitamente, porém com ênfase explícita em valores condutores da ação humana, hoje relegados a segundo plano, especialmente tendo em vista a hipercompetição em curso.

Como resultado da reflexão feita, os autores concluem positivamente pela possibilidade de influenciar a formação do cidadão produtivo brasileiro em larga escala, desde que haja uma rede de líderes preparada para tal tarefa. O pressuposto é que os engenheiros de produção estão numa situação muito especial para assumir a liderança de sistemas produtivos lastreados pela ética universal, porém aplicada de forma concreta levando-se em consideração as peculiaridades culturais brasileiras. Comece-se por uma breve revisão do conceito de paideia.

2. Paideia: a formação do homem integral na Grécia Antiga
Paideia é o termo que se consolidou na Grécia Antiga para caracterizar a formação do homem integral. Segundo Jaeger (1936), a palavra paideia tinha o simples significado de “criação dos meninos”, em nada semelhante ao elevado sentido que mais tarde adquiriu e que é o único que nos interessa aqui. O conceito de paideia não designa unicamente a técnica própria para, desde cedo, preparar a criança para a vida adulta. A ampliação do conceito fez com que ele passasse também a designar o resultado do processo educativo que se prolonga para além dos anos escolares, ou seja, para a vida toda. No plano social, o objetivo da paideia era desenvolver os talentos e potenciais do educando junto aos seus semelhantes, aprendendo a ser, a conviver e a respeitar o mundo ao redor.

Os gregos afirmavam que a educação não era propriedade de um só indivíduo, mas pertencia, por essência, à comunidade. À comunicação de conhecimentos e aptidões profissionais na medida em que são transmissíveis, os gregos deram o nome de techne (JAEGER, 1936). O tema essencial da educação grega é antes o conceito de arete, que remonta aos tempos mais antigos. Não existe na língua portuguesa um equivalente exato para este termo, mas a palavra virtude na sua acepção não atenuada pelo uso puramente moral, e como expressão do mais alto ideal cavalheiresco unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro, talvez pudesse exprimir o sentido da palavra grega. Tanto em Homero como nos séculos posteriores, o conceito de arete é freqüentemente usado no seu sentido mais amplo, isto é, não só para designar a excelência humana, como também a superioridade de seres não humanos, como a força dos deuses ou a coragem e rapidez dos cavalos de raça (JAEGER, 1936).

Como se vê, a essência da paideia, trazendo-se o conceito para a situação atual - e tendo em vista o escopo deste artigo - é a formação do cidadão produtivo, servindo também para a construção de cenários sustentáveis e de um país melhor para se viver e trabalhar. Contudo, é preciso ter em mente que o ser humano chega ao mundo com determinado temperamento, herdado geneticamente, e que o seu caráter é formado pela educação, esta tomada em sentido amplo. Reflita-se, portanto, sobre o temperamento e o caráter como fatores determinantes da conduta humana.

3. O temperamento e o caráter como fatores determinantes da conduta humana
A discussão que sempre existiu sobre a conduta humana se dá entre dois argumentos causais: de um lado existe o livre arbítrio do indivíduo, que implica a eventual punibilidade de seus atos, de outro lado, a constituição biológica, considerada como uma fatalidade orgânica que empurra a pessoa a agir dessa ou daquela maneira. Pode-se representar essa diferença a partir de conceituações referentes ao que é chamado de temperamento e caráter. Aparentemente, a teoria mais antiga sobre o temperamento, e que ainda hoje tem os seus adeptos, foi criada há 2.500 anos por Empédocles (Quadro 1).

O temperamento não seria imutável, podendo ser modificado dentro de certos limites através de influências médicas, cirúrgicas, de nutrição, assim como no desenrolar da aprendizagem e das experiências de vida. Allport (1966) assim definiu o termo:

O temperamento refere-se aos fenômenos característicos da natureza emocional de um indivíduo, na qual se incluem sua suscetibilidade à estimulação, a intensidade e a rapidez usuais de resposta, a qualidade de sua disposição predominante, e todas as peculiaridades de flutuação e intensidade de disposição, sendo que tais fenômenos são vistos como dependentes da organização constitucional e, portanto, como em grande parte originários da hereditariedade.

O termo caráter origina-se do grego “kharasseín” ou “kharakter” significando, respectivamente, gravação e marca. Allport (1966) conceitua o caráter como a marca de um homem – seu padrão de traços ou seu estilo de vida. Argumenta que o termo adquiriu uma conotação específica, alheia ao seu sentido original de gravação, pois quando se ouve dizer que um homem tem “bom caráter”, faz-se referência às suas qualidades morais, tendendo a supor um padrão moral e a fazer um julgamento de valor.

O caráter, embora se consolide na infância e na juventude, pode ser modificado ao longo da existência. Influenciado pelo ambiente, sua formação dá-se a partir do contexto em que se vive, podendo englobar a condição social, ambiente familiar, educação e outros aspectos importantes. Percebe-se aí o desenvolvimento, um aprendizado social que se dá em contato com outros indivíduos. É por meio do caráter que a personalidade e o temperamento do indivíduo se manifestam. Portanto, conhecer o caráter de uma pessoa significa conhecer os traços essenciais que determinam o conjunto de seus atos. Sendo assim, torna-se importante partir de referenciais para a sua consolidação. No caso do Brasil, o referencial principal é o cristianismo, assim como no Japão os referenciais seriam o budismo, o confucionismo, o xintoísmo e o bushido – o código de ética dos samurais.

4. O caráter do homem cristão
Segundo o censo do ano 2000 (IBGE), 150 milhões de brasileiros se declararam cristãos. O cristão vê como essencial ao caráter um estilo de vida, um padrão que seja pleno de expectativas e que o conduza à prática de virtudes. Conforme acesso ao sítio do Vaticano (), conclui-se que a Igreja Católica consolidou no catecismo as virtudes que julga essenciais ao desenvolvimento do caráter cristão. Sob a perspectiva dos cristãos reformados, o único documento reconhecido como fonte segura para orientar o desenvolvimento do caráter é a própria Bíblia Sagrada, embora também usem alguns documentos secundários como apoio á educação cristã.

Alguns autores argumentam que a ética e as idéias surgidas no seio da reforma protestante do cristianismo influenciaram o desenvolvimento econômico de suas sociedades. A Reforma Protestante teria prosseguido enfatizando a prática das virtudes como uma forma de imprimir valores nas pessoas. Suas escolas eram voltadas para estudos técnicos, visando também a ocupações comerciais e industriais. Já os estudos católicos estavam altamente orientados a uma espécie de aprendizagem fornecida pelo ginásio humanístico. Comparando as atitudes entre católicos e protestantes, Weber (2000) fez a seguinte ponderação:

A partir de uma análise superficial, e na base de certas impressões cotidianas, poder-se-ia ser tentado definir a diferença da seguinte maneira: o maior “alheamento do mundo” do catolicismo, os traços ascéticos dos seus mais altos ideais, levaram seus seguidores a uma maior indiferença frente aos bens desse mundo. Esta constatação corresponde, aliás, aos esquemas populares de julgamento de ambas as religiões. Do lado protestante, essa concepção é usada para a crítica daqueles (verdadeiros ou supostos) ideais ascéticos do modo de viver católico, ao passo que os católicos a isso respondem com uma crítica ao “materialismo” resultante da secularização de todos os ideais pelo protestantismo. Um autor contemporâneo tentou equacionar a diferença das duas atitudes para com a vida econômica da seguinte maneira: “O católico é mais tranqüilo, tem menos impulso aquisitivo; prefere uma vida, a mais segura possível, mesmo que isto implique em uma renda menor, à uma vida arriscada e cheia de excitação, mesmo que essa torne possível a obtenção de honrarias e riquezas. Isso é comprovado de maneira irônica pelo provérbio “coma ou durma bem”. No presente caso, o protestante prefere saciar-se, e o católico dormir sem ser perturbado”.

Em relação à ética cristã, estudiosos das escrituras sagradas afirmam ser difícil encontrar unanimidade ou independência de julgamento, devido às várias correntes filosóficas e religiosas que interpretaram os conceitos encontrados no Novo Testamento. O´Connell (1976) cita esta diversidade como a seguir:

Há um ecleticismo que caracteriza a ética do Novo Testamento. Os provérbios dos sábios, as éticas dos filósofos estóicos, os padrões éticos contemporâneos, o ensino dos rabinos, o catecismo judeu, os textos da Bíblia, e o bom senso dos autores: cada um contribui para o conteúdo ético do Novo Testamento. O resultado é que há abertura e pluralismo na ética do Novo Testamento. Conseqüentemente, não é fácil nem legítimo reduzir os ensinos éticos do Novo Testamento a uma simples visão ética.

O cristianismo, nas suas várias versões, é a principal fonte de valores capaz de influenciar a conformação do caráter no Brasil. Os autores acreditam que, mesmo quando se analisa a questão sob a perspectiva secular, percebe-se a existência de uma correspondência, e até mesmo uma justificativa para os valores que foram assimilados pela Constituição Brasileira como base para a formação do cidadão produtivo, conceito que será visto a seguir.

5. O conceito de cidadão produtivo
O cidadão produtivo constitui-se elemento-chave do sistema produtivo capitalista, sendo que o trabalho é uma forma recente (em torno de dois séculos) de conceber a relação à atividade laboral. Não cabe aqui uma discussão sobre trabalho formal versus informal ou mesmo sobre empregabilidade, mas sobre o caráter produtivo, associando fundamentos da cidadania e da atividade produtiva, objetivando vida melhor para todos, através de melhorias em práticas, valores, e características dos indivíduos.

Toro (1997) fez considerações em relação à ótica convencional que é empregada quando há referências ao termo produtividade, dizendo que, embora a produtividade seja tradicionalmente tratada sob o ponto de vista da economia e da produção, pode-se definir uma sociedade produtiva não apenas como aquela que tem empresas que produzam mais bens e serviços a preços competitivos, mas como a que produz racional e adequadamente os bens e serviços, possibilitando uma vida digna para todos. Sob esse ponto de vista, toda a sociedade deve ser produtiva, e não apenas alguns indivíduos e organizações. Essa definição de produtividade está além da idéia da produção de dinheiro, cujo custo pode ser a pobreza, a miséria de muitos e a degradação do meio-ambiente. A produtividade trata da produção de riqueza para o benefício de toda a sociedade e de suas futuras gerações, porém uma sociedade não será rica se essa riqueza estiver ao alcance de poucas pessoas.

Voltando a atenção para a prática dos indivíduos sob um conceito histórico, percebe-se que a atividade humana tem sido objeto de estudos em várias áreas do conhecimento. Verifica-se que o homem, visando à satisfação de suas necessidades, tem se expressado através de atividades vitais de produção, sejam elas a caça, a coleta de alimentos, a prática de atividades agropastoris, comerciais, artísticas, esportivas, industriais, militares, religiosas ou de serviços. Marx (2004) considera que a essência do homem está na sua atividade produtiva. De acordo com a sua concepção, entre todos os seres, o ser humano é o que foi destinado a trabalhar e arrancar da natureza o necessário para que ele possa existir, produzindo suas condições materiais de vida. Estando a essência nessa capacidade transformadora, as representações, os conceitos e as idéias são produtos da atividade humana de acordo com o modo como é organizada a atividade produtiva.

Operando transformações através da atividade racional, o homem também acrescenta algo ao valor do objeto transformado. Essa visão teve suas primeiras referências na obra intitulada “A Riqueza das Nações”, um marco da literatura econômica. Escrita por Adam Smith, dividia o trabalho em dois tipos: o produtivo e o improdutivo (SMITH, 1985):

Existe um tipo de trabalho que acrescenta algo ao valor do objeto sobre o qual é aplicado; e existe outro tipo, que não tem tal efeito. O primeiro, pelo fato de produzir um valor, pode ser denominado produtivo; o segundo, trabalho improdutivo. Assim, o trabalho de um manufator geralmente acrescenta algo ao valor dos materiais com que trabalha: o de sua própria manutenção e do lucro de seu patrão. Ao contrário, o trabalho de um criado doméstico não acrescenta valor algum a nada. Embora o manufator tenha seus salários adiantados pelo seu patrão, na realidade ele não custa nenhuma despesa ao patrão, já que o valor dos salários geralmente é reposto juntamente com um lucro, na forma de um maior valor do objeto no qual seu trabalho é aplicado. Ao contrário, a despesa de manutenção de um criado doméstico nunca é reposta. Uma pessoa enriquece empregando muitos operários, e empobrece mantendo muitos criados domésticos.

As três principais visões sobre o ser humano em relação às quais foram elaboradas teorias que servem como fontes para se compreender o caráter humano são: a visão psicanalítica, cujo principal representante é Sigmund Freud; a visão comportamentalista (também chamada de behaviorista), cujo principal representante é Skinner; e a visão humanista, cujo principal representante escolhido para os objetivos deste artigo é Erich Fromm, embora existam outros como Abraham Maslow e Carl Rogers. Aparentemente, todas as abordagens prestam algum tributo a Freud, razão pela qual será feita breve menção à sua visão. Para ele, o desenvolvimento da civilização se resume ao crescimento do indivíduo.

A interpretação freudiana trata o processo civilizatório como um confronto entre o desejo de viver – o instinto de vida (Eros) e o desejo de morrer – o instinto de morte (Thanatos). A atividade produtiva pode ser percebida a partir de sua obra intitulada O Mal Estar na Civilização, onde afirma (FREUD, 1974):

A atividade profissional constitui fonte de satisfação especial, se for livremente escolhida, isto é, se, por meio de sublimação, tornar possível o uso de inclinações existentes, de impulsos instintivos persistentes ou constitucionalmente reforçados. No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é altamente prezado pelos homens. Não se esforçam em relação a ele como o fazem em relação a outras possibilidades de satisfação. A grande maioria das pessoas só trabalha sob a pressão da necessidade, e essa natural aversão humana ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis.

O ideal da ética humanista e os projetos que visam ao desenvolvimento de um homem e de uma sociedade melhores, podem ser discutidos a partir de análises sobre o caráter produtivo. A produção, como condição primordial para sua sobrevivência serve, unicamente, como um símbolo para expressar a idéia de produtividade como integrante do caráter. Fromm demonstra tipos ideais de caráter, concepções que ele diz serem orientações improdutivas e orientação produtiva. Um indivíduo pode possuir traços de todas as orientações de caráter, mas uma delas pode tornar-se tão forte que a própria identidade do indivíduo passa a ser reconhecida por essa orientação. Fromm (1981) diz que:

A orientação produtiva da personalidade refere-se a uma atitude fundamental, um modo de relacionamento em todos os setores da experiência humana. Abrange reações mentais, emocionais e sensoriais aos outros, a si mesmo e aos objetos. A produtividade é a capacidade do homem para usar suas forças e para realizar as potencialidades a ele inerentes. Se dizemos que ele tem de usar suas forças subentendemos que é livre e não dependente de alguém que controle essas suas forças. Subentendemos, ademais, que é guiado por sua razão, porquanto só poderá usar suas forças se as conhecer, souber como usá-las e para que usá-las. A produtividade significa que ele se experimenta a si mesmo como a corporificação de suas forças e, ao mesmo tempo, que estas não estão escondidas e alienadas dele.

As orientações improdutivas são divididas em: receptiva, exploradora, acumulativa e mercantil. A orientação receptiva diz respeito a um indivíduo que deseja sempre receber algo de uma fonte exterior, seja relacionado à matéria, à afetividade, ao amor, ao prazer ou ao conhecimento. O auxílio das pessoas é primordial para que realize algo, e isso demonstra a sua dificuldade em um processo em que seja necessário assumir responsabilidades e tomar decisões.

A orientação exploradora tem a idéia básica de que o indivíduo é incapaz de produzir algo com qualidade, sendo todo o bem necessário proveniente de terceiros. O indivíduo não espera receber algo dos outros e sim tomá-lo, utilizando a força ou a astúcia. Sob a forma de idéias, utiliza-se de plágios e cópias. Sob a forma de bens materiais, acha que deve tirar dos outros o que estes têm.

A orientação acumulativa é caracterizada pela falta de fé nas situações vindouras e por uma busca contínua de segurança. Para isso, o indivíduo procura se concentrar na acumulação e na poupança, buscando sempre o máximo para si mesmo. Conhecemo-lo por avarento, seja por bens materiais, por idéias ou mesmo por sentimentos. Enxergam o processo criativo como um milagre; sua idéia em relação à fonte que possui é a de que ela é esgotável, por isso dão mais ênfase à morte e à destruição, ao invés de valorizarem a vida e o crescimento.

Na orientação do caráter do tipo mercantil o indivíduo é altamente dependente da aceitação pessoal pelas pessoas que precisam de seus serviços ou que os empregam. O sucesso é determinado pela capacidade que o indivíduo tem de se apresentar ao mercado, impressionando os outros, fortalecendo sua rede social de acordo com a conveniência. Não é preciso ter a competência necessária para executar tarefas, mas impressionar os outros com suas ações e posturas agressiva, jovial e ambiciosa, fazendo com que seja grande adepto de modismos. Ao invés de valorizar suas qualidades humanas, enfatiza sua valoração em termos de sucessos e fracassos e seu mundo se faz através de aparências e superficialidades.

Fromm (1970) faz referências, ainda, a dois tipos básicos de caracteres: necrófilos e biófilos. Os seres humanos possuem os dois tipos, um com mais dominância do que o outro. Os necrófilos amam o que é mecânico, tentam transformar o orgânico em inorgânico por meio de ordens, tratam as pessoas como coisas, são atraídos pela escuridão e pela noite, utilizam a força como meio de vida, a capacidade para transformar um homem num cadáver. Essa força pode destruir a vida, baseando no poder para matar. Os biófilos, por sua vez, são totalmente devotados à vida e à sua preservação, buscam atingir a mais elevada meta de que o homem é capaz. Sua orientação é orgânica, voltada para o amor, a razão, a inovação e para o crescimento integrado e estruturado.

Entre os analistas da condição humana destacam-se alguns que, embora não tenham se dedicado a essa tarefa de forma profissional, foram e ainda são muito respeitados. Entre eles cita-se Benjamin Franklin. Esse patriarca da independência norte-americana, um ativo homem de ciência cujo caráter se revelava como eminentemente prático, via o trabalho como instrumento para a formação do caráter dos indivíduos (WESEP, 1960):

Para Franklin, ganhar dinheiro não constituía um fim em si, e, portanto não era coisa capaz de o levar a desprezar a formação do caráter. Tinha plena consciência de que essa formação exige em larga medida a consolidação do hábito e muito trabalho. Em sua opinião, mais valia ter um emprego ou um negócio do que uma fortuna, porque aqueles contribuíam para formar o caráter e conferir a independência individual.

Segundo Wesep (1960), uma das preocupações fundamentais de Franklin era transformar o mundo num lugar em que a vida fosse melhor. Na sua opinião, primeiro seria necessário encontrar uma coisa que obtenha resultados concretos: o pragmatismo; depois seria preciso usá-lo para fazer do mundo um lugar em que a vida seja melhor, e nisto consiste o meliorismo; em terceiro lugar, seria preciso que não se estabeleçam limites para estas possibilidades de melhoria, o que ele chamou de excelsiorismo.

6. Conclusão
Pelo exposto, conclui-se que o caráter do indivíduo pode ser aperfeiçoado ao longo de sua vida em um contexto dinâmico, permeado de aprendizado e virtudes, permitindo ao cidadão o uso de suas habilidades intelectuais sem perder de vista o ambiente de solidariedade humana. Tal observação possibilita dizer que o esforço das pessoas para a busca de resultados, sob condições apropriadas à saúde, se converte na melhoria das práticas, incorporando-se aos seus hábitos. Seguindo os conceitos de Franklin, é preciso integrar consistentemente este esforço ao pragmatismo e à expansão de limites para a melhoria contínua da atividade humana, rumo a excelência. O pragmatismo deve ser vista sob uma perspectiva sustentável e humanista ou até mesmo espiritualista, mas não na sua versão materialista, seja grosseira ou dialética. A excelência deve vislumbrar a realização do potencial das pessoas observando-se suas capacidades, crenças e limitações. Bens e serviços excelentes são resultados de operações de sistemas produtivos excelentes que, em sua totalidade, vão além do somatório da excelência individual de seus atores.

Constata-se a existência de bases sólidas para o desenvolvimento do potencial dos indivíduos que exercem suas atividades nas organizações, no governo e na sociedade brasileira. É necessário que as lideranças destas instituições utilizem de visão de longo prazo e da conscientização acerca da capacidade de geração de riqueza e adição de valor aos seus produtos e serviços. Isso consolida a necessidade de exaltar a criação e a transferência de conhecimentos, que de forma contínua e integrada formam ambientes colaborativos e solidários, exigindo para tal a formação de líderes que sejam cidadãos produtivos.

Percebe-se que o caráter produtivo do cidadão brasileiro pode e deve ser orientado e desenvolvido a partir do nível individual para o coletivo, assegurando, em ambiente de sustentabilidade, incrementos relacionados à qualidade de vida e aos índices de melhoria sócio-econômicos. A análise dos documentos permite concluir que, caso os indivíduos extraiam seus conceitos básicos, interpretando-os para a elevação da moral e da busca pela excelência humana, o cristianismo, na sua forma essencial e compatível com a ética padrão mundial, pode ser percebido como a fonte mais acessível e capaz de influenciar a formação do cidadão produtivo brasileiro.


Bibliografia
ALLPORT, Gordon W. Personalidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1966. 721 p.

FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização, in: Obras Completas, Vol. XXI (1927-1931), Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 81-171.

FROMM, Erich. Análise do Homem. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981. 211 p.

FROMM, Erich. O Coração do Homem: Seu Gênio Para o Bem e para o Mal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. 168 p.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em . Acesso em 15 de março de 2006.

JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: A Formação do Homem Grego. São Paulo: Herder, 1936. 1343 p.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro 1. 22ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. 929 p.

O´CONNELL, T. E. Principles for a Catholic Morality. Minneapolis: The Seabury Press, 1976. 233 p.

SMITH, Adam. A Riqueza Das Nações: Investigação Sobre Sua Natureza e Suas Causas. Vol 1. 2ª Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. 415 p.

TORO A., José Bernardo. Mobilização Social: um modo de construir a democracia e a participação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, Secretaria de Recursos Hídricos, Associação Brasileira de Ensino Agrícola Superior – ABEAS, UNICEF, 1997. 104 p.

VATICANO. Disponível em: . Acesso em 23 de setembro de 2005.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 15ª Ed. São Paulo: Pioneira, 2000. 233 p.

WESEP, H. B. Van. A Estória da Filosofia Americana. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960. 517 p.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A essência do homem

Sabemos que o homem, na aparência, é aquilo que os cientistas dizem que ele é: um organismo vivo com algumas necessidades e desejos. Esses cientistas nos informam que, quanto às necessidades, elas se impõem por sua condição natural e, quanto aos desejos, eles se impõem pela cultura.

Um materialista dialético, como Marx, faz uma descrição até elegante do homem, mas delimita-o em função de sua crença de que tudo o que lhe diz respeito é-lhe imanente, não havendo necessidade de nenhum pensamento sobre o transcendente para compreendê-lo. Marx reconhece o homem material e, ao mesmo tempo espiritual, mas limitando o próprio espírito como uma espécie de energia que flui da matéria e que só atua enquanto o homem vive em comunidade. Sua visão é quase, senão totalmente, budista.

Há, também, uma visão do homem como sendo constituído de um corpo que dá suporte ao espírito, com intermediação da alma. Os que assim pensam, muitas vezes não conseguem distinguir alma de espírito, ficando confusos quando questionados. Entre eles, alguns colocam toda a esperança no espírito que só se realizará além desta vida. Assim, podem manipular os mais fracos e submetê-los a todo tipo de exploração, mediante a esperança de que eles vencerão na outra vida. Marx colocou-se em oposição a esse tipo de abordagem.

Mas há uns poucos que adotam essa segunda visão de forma mais integrada, começando pelo respeito do homem na sua forma corporal e, ainda, lidando com a projeção do mesmo na sua forma espiritual, onde reside sua máxima dignidade. Essa é a postura defendida pela praticantes consequentes de quase todas as religiões e, em particular, do cristianismo. Esse era o ponto de vista de alguns importantes filósofos, entre os quais Sócrates e Platão.

Os seguidores do Bhagavad Gita também adotam esse último ponto de vista, fundindo sua religião com sua filosofia. Entre eles citam-se Ghandi, que também aceitava o princípio cristão expresso o Sermão do Monte, e Paramahansa Yogananda, que tentava fazer a conexão entre o cristianismo e o hinduismo descrito no Bhagavad Gita. Eles aceitavam o valor de todas as religiões basedas no amor e, como consequência, o respeito pela condição humana em sua realidade socio-cultural.

O diálogo que leva em conta a diversidade, tendo como pano de fundo a essência do homem, gerou a  Declaração dos Direitos Humanos. Nela, que não foi endossada pela Igreja Católica Apostólica Romana, destacam-se: a liberdade, a igualdade e a justiça. Nisso, tangencia-se o imanente com o transcendente, deixando que cada um siga o seu próprio caminho quanto à sua crença na essência última do homem. Esse caminho foi conquistado com sangue, suor e lágrimas, e parece ser um consenso capaz de estabelecer uma linguagem comum a todos os homens.

Nessa busca pela essência do homem, em última análise prevalece a fé. Não há como ter outra perspectiva, pois a própria vida tem, sem si, uma fé embutida. E cada indivíduo, de acordo com as suas próprias condições de existência, tem sua própria fé. Esta, eventualmente, é passível de mudança em função das experiências particulares.

Em última instância, creio que a essência comum a todos os homens é a liberdade de consciência como possibilidade. Quem se abdica dessa liberdade abdica-se de sua própria essência humana.

sábado, 15 de junho de 2013

A comunicação da verdade

Só a verdade liberta, mas é muito difícil encontrá-la. Contudo, uma vez que ela seja encontrada, persiste o difícil problema de comunicá-la. Algumas pessoas nem mesmo desejam conhecê-la. Outras insistem em transformar suas opiniões e crenças em verdade, tentando incuti-las na mente ignorante.

A verdade nua e crua pode ser fatal. Um garoto de 5 anos jogou na cara do seu tio: - eu não gosto de você. O tio, que havia perdido um filho e estava tentando se aproximar do garoto, jogou a culpa nos pais do garoto. Mas eles nada tinham a ver com a história.

Conta-se que um índio visitou Nova Yorque. Voltou dizendo que os homens viajavam no interior de grandes pássaros - eram aviões -, entre outras coisas inimagináveis. Foi tido por louco e isolado da tribo. Outro índio foi a Nova Iorque, mas disse que lá tivera sonhos estranhos. Contou as mesmas histórias, e seu povo ficou curioso. Com o tempo, mais e mais índios, tendo ido a Nova Iorque, puderam compreender a verdade e compartilhá-la com a tribo.

Certas verdades simplesmente não têm como ser comunicadas. Outras devem ser recriadas como se fossem estórias ou parábolas. Outras, ainda, devem ser apenas demonstradas, pois nem a fala nem a escrita poderiam dar conta do recado.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

A grandeza do homem

Para efeitos educacionais, é preciso ter uma clara visão sobre o que torna o homem grandioso ou vil. O materialista vulgar não tem dúvida de que a grandeza do homem está na quantidade de poder e de bens materiais que acumula. O espiritualista também não tem dúvidas de que a grandeza do homem reside na sua capacidade de dominar os seus desejos. Entre os dois extremos está o homem que acredita que a grandeza está em conhecer cada vez mais, e agir de acordo com o conhecimento adquirido. 

A História apresenta exemplos importantes de pontos de vista sobre esse tema. Para os grandes ditadores, como Hitler e Stalin, a grandeza estaria na força para dominar. Para sábios como Platão, a grandeza estaria na capacidade de conhecer e de fazer justiça. Para líderes religiosos, como Jesus Cristo, a grandeza consiste em usar o poder para servir ao próximo.  

Alexandre, o Grande, admirou Diógenes, o filósofo que vivia na pobreza material em meio a grande riqueza espiritual. Sartre, inteligente e ateu, afirmou que “entre o príncipe guerreiro e o bêbado na sargeta, a única diferença é que o príncipe é mais agitado”, não reconhecendo grandeza em homem algum. Ele recusou-se a receber o Prêmio Nobel de Literatura para não referendar a autoridade de um grupo de pessoas de decidir sobre quem é melhor do que quem.  São Francisco de Assis desistiu de sua riqueza para levar uma vida de pobre entre os mais pobres. Esses exemplos nos induzem a admitir que a grandeza ou vileza do homem depende de suas crenças fundamentais.

O sábio típico da sabedoria vedanta afirmava que a  grandeza  reside no Eu verdadeiro que, abstraindo-se da prisão dos sentidos, recolhe-se a si mesmo para viver em harmonia com o Deus único. Entretanto, ao serem imitados por homens ignorantes, abriu-se perspectivas para aqueles que, não tendo encontrado a si mesmos, nem a Deus, optaram pela inatividade e, com isso, passaram a viver uma vida material miserável sem alcançar riqueza espiritual.  Já o capitalista selvagem via grandeza em conseguir mais um dólar na vida a cada momento. Alguns dos mais ricos deles morreram como miseráveis espirituais, só demonstrado o seu valor, como o porco, depois de mortos.

Em Sócrates, vemos sinais de grandeza no filósofo que, considerado o mais sábio do seu tempo,  afirmava que sua única vantagem, se tivesse alguma, era saber que nada sabia. Matsushita, o empresário-filósofo japonês, deu exemplo de grandeza ao superar  suas deficiências de escolaridade formal, tendo se tornado empresário bem-sucedido e exemplo de moralidade sadia. Embora tivesse direito a exigir, pelo costume, que as pessoas se inclinassem diante de sua passagem, ele próprio se inclinava diante das pessoas mais humildes. Sob sua liderança, trabalhadores analfabetos foram transformados em inventores.

Sou levado a concluir que a grandeza do homem está em servir mais quanto mais poder tenha. Em socorrer os necessitados e levar conhecimento aos ignorantes. Em envergonhar os arrogantes e orgulhosos e promover o crescimento das pessoas humildes. Os que assim fizeram permaneceram na memória dos homens como modelos a serem seguidos, enquanto os homens autocentrados foram esquecidos, ou são lembrados apenas pelo mal que fizeram. A grandeza do homem, portanto, está em buscar o equilíbrio entre o ser e o ter e,  em última análise, fazer realizar em si aquilo que, potencialmente já é. O potencial de vida, não o de morte.