sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O Brasil tem jeito?


No dia 13 de maio de 2001 o NTQI/UFMG - Núcleo de Tecnologia da Qualidade e da Inovação, promoveu o workshop "O Ambiente da Qualidade na Prática" visando a compartilhar experiências sobre o desenvolvimento de ambientes de trabalho sadios e estimulantes à mobilização da inteligência. Quatro palestras criaram o pano de fundo para uma posterior discussão do tema tendo em vista a realidade dos participantes: A Chocante Realidade, por Osmir Venuto da Silva, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção de BH; Construindo o Novo Ambiente, por Érico da Gama Torres, Diretor da Coordenação de Suporte e Coordenador de GQT da Construtora Andrade Gutierrez; A Casa da Qualidade Visando à Competitividade; por Francisco Antônio Dutra, Coordenador Corporativo de Sistemas Gerenciais da Samarco Mineração S.A e A Construção do Ambiente da Qualidade na Escola, por Rosane Marques Crespo Costa, Coordenadora do Projeto GQT na Educação da Fundação Christiano Ottoni.

O senhor Osmir Venuto, geralmente tido por radical, provou que a mente alerta e o coração humilde podem aproveitar várias de suas sugestões para melhorar o relacionamento capital/trabalho. Ele, apesar de ter sido ríspido e destacado a desumanidade de algumas situações vividas pelo trabalhador da construção civil, apontou empresas-modelo no setor, e deu sugestões concretas, simples e viáveis para que as empresas utilizem a inteligência dos seus operários. Destacou que eles são carentes, material e emocionalmente, estando pré-dispostos a cooperar sempre que suas carências forem sanadas. Sua mensagem central implícita foi "a fome e o desrespeito, além serem incompatíveis com a obtenção de qualidade e produtividade, impelem à violência". Em que pese uma eventual postura político-ideológica que algumas pessoas enxergam nas suas convicções básicas, o sindicalista destacou que parte das dificuldades observadas no relacionamento com os trabalhadores são devidas a uma total inabilidade nas relações humanas. Segundo ele, um simples cumprimento, aperto de mão e citação do nome do trabalhador poderiam melhorar em muito o seu moral.

A apresentação da Andrade Gutierrez deu prova cabal de que uma liderança inteligente consegue enxergar oportunidades onde parece haver somente problemas. A melhoria do ambiente de trabalho, o treinamento constante e o respeito para com os seus colaboradores permitiu à empresa resistir às condições adversas do mercado. Os resultados mensuráveis e não mensuráveis foram sendo obtidos de forma progressiva e consistente, principalmente a partir da mobilização em massa ocorrida na empresa em nome do 5S, os sensos de: utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. Seus trabalhadores responderam com criatividade e entusiasmo aos desafios lançados, gerando os seguintes resultados: redução global de custos de cerca de 50%, a partir de 1993; melhoria da qualidade e reduções nos prazos de entrega das obras; drástica diminuição do índice de acidentes e redução das faltas ao trabalho. Esse exemplo contrapôs-se à irracionalidade descrita pelo sindicalista Osmir.

A Samarco apresentou a sua Casa da Qualidade Visando à Competitividade, construída pela análise exaustiva das melhores práticas mundiais de gestão. De acordo com o palestrante, engenheiro Francisco Dutra, a pesquisa que levou a Samarco a desenvolver o seu modelo de gestão incluiu a análise das 250 melhores empresas do mundo, tendo se fixado na identificação dos fatores de sucesso das 25 melhores. Essa empresa passou a ser referência mundial em vários aspectos-chave para a competitividade sustentável, com destaque para a postura íntegra frente ao meio ambiente, trabalhadores, acionistas e sociedade. Sua postura básica é a de nivelar-se pelas melhores práticas internacionais, submetendo-se a critérios externos de validação, tais como: ISO 9002, IS0 14000 e BS 8800. Conceitos como os de 5S, gerenciamento da rotina do dia-a-dia, gerenciamento multifuncional e pelas diretrizes, além de sistemas para a obtenção de sugestões dos seus empregaos fazem parte da cultura da qualidade da empresa, sendo praticados de maneira natural e sem dogmatismo.

O depoimento da representante da FCO fechou o conjunto de palestras com chave de ouro. Ela mostrou os fantásticos resultados já obtidos com a gestão participativa de algumas escolas de ensino fundamental. Ficou claro que a base permanente da conquista de uma melhor qualidade de vida no Brasil depende de se dar prioridade absoluta à educação integral dos brasileiros, com uma gestão que envolva todas as pessoas interessadas: pais, professores e alunos, numa grande mobilização nacional. A palestrante provou que os melhores modelos de gestão, como aqueles apresentados pela Andrade Gutierrez e Samarco, possuem elementos universais prontamente adaptáveis ao ambiente da escola.

Após essas três brilhantes apresentações, o sindicalista pronunciou-se novamente, reposicionando-se e entrando em sintonia com o espírito construtivo presente. Ele enxergou nos exemplos apresentados total correção e alinhamento com as necessidades permanentes dos trabalhadores e do País. Sua manifestação, inclusive dando sugestões concretas às empresas, sinalizou que é perfeitamente possível encontrar uma visão de futuro comum entre capital e trabalho, desde que se parta de uma base mínima de respeito mútuo. A partir de sua fala, agora convergente com a visão comum de todos os presentes, percebi que é necessário ouvir, sem prévio julgamento, mesmo as posições mais radicais. Ouvindo, compreendendo e identificando os pontos de convergência, pode-se, finalmente, identificar as divergências irreconciliáveis, posicionando-se com firmeza e bom senso, sem irracionalismos.

Ao final do dia, após uma produtiva troca de experiências e sugestões concretas para se criar um bom ambiente da qualidade, na prática, houve um consenso profundamente compartilhado, sintetizado na conclusão final de um dos participantes: "O Brasil tem jeito!".