segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Felicidade e verdade

Certo filósofo foi desafiado a discursar sobre se a felicidade ou a verdade deveria vir em primeiro lugar nas precupações do homem. Alguns dos seus argumentos centrais são apresentados a seguir.

Todo ser humano busca, em última análise, a felicidade; tudo o mais a isso se subordina, disse o filósofo, evocando Aristóteles. Entretanto - ressaltou -, não se pode ignorar o brilhante argumento de Bertrand Russel a respeito. Ele defendeu que o sentimento de felicidade pode decorrer do desconhecimento da verdade, como é o caso do peru que, ingenuamente, sente-se muito feliz por ser bem cuidado até um dia antes da ceia de natal.

Conhecer a verdade, contudo, não está ao alcance do peru, pois sua natureza não é racional. Quanto ao ser humano - argumentou o filósofo -, se ele depositar a esperança de felicidade neste mundo, melhor seria viver iludido, como o peru, pois de nada adiantaria saber a verdade se ele não tiver como mudar o seu destino.

Se materialista dialético, a verdade poderia libertar o homem não sob a perspectiva individualista, mas sob a perspectiva da Humanidade. A realização do potencial da Humanidade traria a liberdade possível para muitos, desde que ouvesse desalienação do homem escravizado pelo homem, diretamente, ou por meio da cultura por ele mesmo criada. Assim, a verdade libertaria o homem da ilusão, trazendo, num primeiro momento, sofrimento. Mas, em seguida, travando a luta de vida ou morte, deixaria a possibilidade da felicidade para a Humanidade, num futuro remoto. E, até mesmo, a felicidade encontrada no ato de lutar pelo ideal vislumbrado pela razão.

Já o homem que acredita na sua transcendência, disse o filósofo, não se importaria muito com a felicidade aqui na Terra. Embora pudesse lutar por ela, sua busca última seria pela verdade final, depositária da felicidade eterna. Seu sofrimento aqui, seja ele escravo ou homem livre, é passageiro, assim como sua felicidade.

Conclusão: tanto a felicidade como a verdade podem ser tomadas como o objetivo principal do ser humano. Isso depende, em última análise, de sua fé: 1) se for natural, como a do peru, qualquer coisa serve; 2) se for na predestinação absoluta, qualquer coisa serve; 3) se for no materialismo dialético, vale a pena lutar pela Humanidade, ainda que com o sacrifício pessoal imediato; 4) se for na transcedência, pode-se combinar a busca da felicidade e da verdade nesta vida, mas com a certeza de que ambas só poderão ser plenamente encontradas na outra vida. Neste último caso, verdade e felicidade se equivalem.

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